Parem! Peguem o trem!

"PAREM!... Peguem o trem!"- grita uma voz!
Ele é calvo. Mas esconde sob o chapéu velho e mal cuidado. Ele é sombrio. Todo cinza. O homem, não o chapéu. O paletó é ainda mais mal cuidado do que o chapéu. Na verdade, não sei se é falta de cuidado. Olhando melhor agora, parece-me que aquele paletó nunca saiu do seu corpo. Está tão gasto quanto a velhice de uma vida. Sim, ele é velho. Ele é cinza. Seu rosto não possui contornos delineados. É uma só sombra. Talvez causada pela aba do chapéu. Talvez seja sombra porque a vida não brilhe mais nos olhos de alguém tão velho assim. Talvez ele sempre tenha sido cinza. Diz agora com a voz trêmula, porém macia: "Parem! Peguem o trem! O vagão descarrilhado e ouro sobre os trilhos!". Os sapatos são pretos. Preto vivo! Os sapatos definitivamente são novos. Não parece fazer parte do homem. O paletó sim. O paletó definitivamente nunca saiu do corpo. Os sapatos parecem fora do corpo. Talvez os antigos sapatos estivessem mais gastos do que o resto. Talvez ele nunca tivesse tido sapatos! Esses seriam os primeiros! Os sapatos não combinam com o resto! Esse homem não está usando porque quer. Deve ter sido de improviso, às pressas. Ah! Há uma maleta! "PAREM! PEGUEM O TREM!" - irrompe a voz trovejante no silêncio. A maleta é velha. Presa à mão do homem, com certeza nunca saiu dali. Alça e mão se confundem. A maleta parece ter a mesma idade do homem. Está fechada, naturalmente. A maleta parece leve. O que será que ela carrega? Talvez esteja vazia! Talvez! Mas vazia pesaria mais do que uma manada de elefantes! O vazio pesa! Não! Definitivamente a maleta não está vazia! Ela é leve! "Parem... Peguem o trem... O trilho dourado brilha no vagão descarrilhado...". Pausa! Nem mesmo para o homem essas palavras parecem ter sentido! "PAREM! Peguem o TREM!" - grita. Parece desesperado. Com quem será que ele fala? Na estação de trem, já se passaram cinco trens desde que a figura cinza, sombria e velha apareceu. Por que será que ele não pega nenhum trem? Por que ele quer que alguém pegue o trem? Não há ninguém na estação. Na lapela, um cravo morto. No bolso deve haver tantos outros cravos mortos. Reparo agora que o homem não usa meias. Talvez as meias tenham se perdido na troca indesejada de sapatos. Às pressas, perdemos coisas pelo caminho. O homem perdeu as meias! Sob o paletó, uma camisa. O colarinho está amarelado. O tempo amarela as camisas. "PEGUEM! PAREM O TREM!". É o sexto! Parece que nesse, o homem vai embarcar! Cansou de esperar! Olhou o relógio da estação. Está parado. Há muito que esse relógio não trabalha. O homem parece não ter percebido. Vai entrar no trem. A maleta vai abrir. O trem está vazio! O trem pesa! O trem parte! A maleta abriu! O trem descarrilhou! O trilho dourou! A maleta fechou! Eu vi! Eu vi o que tinha na maleta! Tinha o mundo! O mundo dentro de uma maleta! O mundo sorriu! O sorriso de uma criança! A criança correu sobre os trilhos e sumiu! O trem continuou fora dos trilhos! O trilho foi perdendo a cor dourada. O ouro seguiu a criança! O trem ficou cinza! O trilho ficou cinza! O céu ficou cinza! O homem saiu do trem! O homem vestia um paletó. Um chapéu. Uma camisa. Sapatos sem meias! Cravo na lapela e uma maleta na mão! O homem era todo branco. Seu rosto era ofuscado por um brilho intenso! O paletó muito bem cuidado! Definitivamente era novo. O chapéu estava intacto sobre a cabeça! O homem era calvo. A camisa muito limpa. O cravo muito vivo! Os sapatos não! Os sapatos eram velhos! Definitivamente aqueles sapatos nunca saíram dos seus pés. A maleta estava fechada, naturalmente. Era uma maleta nova. Parece pesada. O que será que carrega dentro dela? Está tão pesada que deve estar carregando o mundo lá dentro! Não! O mundo "não pesa mais que a mão de uma criança". Deve estar vazia! Sim, vazia! O vazio pesa! O homem sai andando pelos trilhos! Não sei se chegará a algum lugar! Boa viagem!

(16 de setembro de 2008)

Raquel Zichelle