Ismália

Acordou.
Levantou. Pegou a corda.
Lentamente, as mãos levantavam a corda.
Enrolou em volta do pescoço.
Afrouxou! - não estava pronta para puxar ainda.
Resmungou palavras quaisquer...
Sorriu sorrisos tristes...
Acenou para o mundo que amanhecia amarelo e cinza.
O mundo sorria!
Não se sabe porque o mundo sorria.
O mundo sempre sorri.
A criança abraçou o palhaço.
O palhaço também sorri.
Apertou um pouco mais a corda.
Avistou o navio que partia...lá longe.
O navio levava tristezas.
O nó apertou na garganta.
Os olhos fitavam o nada!
Enxergava o silêncio...
Acariciou o parapeito da janela.
Pegou no guarda-roupa um vestido branco.
Vestiu.
Soltou os cabelos.
Pegou as asas de borboleta que tecera com panos coloridos.
Vestiu.
Foi até a varanda.
Puxou a corda!
Apertou!
Amarrou a extremidade na grade que cerca a varanda!
Subiu na grade!
Passou pro outro lado, quase sem equilíbrio!
Sustentou o corpo!
Olhou mais uma vez o mundo sorrir!
Fazia silêncio!
Nem mesmo o vento soprava palavras!
O navio ainda mais longe parecia um ponto na imensidão do azul!
Levava tristezas que ali do alto pareciam já não existir!
Sorriu!
Lembrou da criança e do palhaço!
Saltou!
O vento, mudo, a balançava.
E ficou ali... Balançando...
Como uma borboleta que dançava pra lá e pra cá!
Pendurada, o dia amarelo e cinza se fez escuro.
O mundo parou de sorrir!
A noite traz consigo a companhia da solidão.
Os lábios roxos destacavam-se no rosto pálido!
Os braços junto ao corpo.
As asas perderam a cor na negrura da noite.
O vestido branco se confundia com a palidez do corpo...do corpo frio!
A noite se fez longa...
O corpo permanecia pendurado na insistência das horas...
Ninguém notara a borboleta branca de asas coloridas.
Amanheceu!
O mundo voltou a sorrir!
A borboleta permaneceu ali...no alto. Só!
O vento outrora mudo pôs-se a cantar.
O navio trazia de volta as tristezas.
Ancorou!
Não era mais um ponto na imensidão! Era a imensidão num ponto azul!
Na paisagem amarela e cinza do dia, o corpo pálido se confundia.
O palhaço sorriu! A criança sorriu! O mundo sorriu!
O tempo roeu a corda!
O corpo caiu!
As asas não bateram!
Asas de borboleta morta não batem mais!
...
Desapareceu!

(30 de setembro de 2008)

Raquel Zichelle